Física

“Cinema 3D”

Homem voltado para a pesquisa, Comparato, formado na primeira turma de Medicina de São Paulo e que faleceu aos 87 anos, em 31 de janeiro de 1979, alternou seu trabalho de médico com o cinema. Produziu vários filmes de curta-metragem e inventou também um sistema de filme ao ar livre, mostrado ao público no começo da década de 30, na Praça da Sé. Apesar da relatividade notoriedade que conseguiu na época, seus filmes e seus inventos não conseguiram inscrevê-lo na história do cinema brasileiro. Nem sequer os raros pesquisadores do cinema paulista registraram o trabalho pioneiro de Sebastião Comparato. Ele empregou grande parte de sua vida para inventar a terceira dimensão, ao mesmo tempo que a queria como uma invenção brasileira, recusando por isso um convite para ir trabalhar nos Estados Unidos. No início dos anos 50, a televisão já causara grandes danos ao cinema nos Estados Unidos, embora no Brasil as casas exibidoras ainda estivessem em pleno apogeu. Foi nessa época que a terceira dimensão, um dos recursos que a indústria cinematográfica começava a usar para fazer frente à TV, chegou ao Brasil como invenção norte-americana. Dois filmes feitos em 3-D, nome dado ao sistema, foram lançados simultaneamente nos antigos cinemas República e Ópera de São Paulo. Ambos os filmes exigiam óculos para criar a impressão de profundidade.

 

Houve uma natural curiosidade, mas logo depois já ninguém falava no novo sistema, talvez porque a obrigatoriedade dos óculos limitasse sua aceitação. A invenção de Comparato, porém, apresentada quase duas décadas antes, podia perfeitamente ser apreciada a olho nu. O próprio Comparato previu o fracasso da 3-D da maneira como ela estava sendo apresentada pelos norte-americanos, em entrevista a O Globo, o único jornal que se lembrou de procurá-lo por ocasião do lançamento dos dois filmes. Para ele, a exigência dos óculos cansava o espectador. E era severo, igualmente, no julgamento dos outros sistemas lançados na época com mesmo propósito de enfrentar a televisão. “Nenhum desses sistemas proporciona a humanização das cenas. Com qualquer um deles, o cinema será sempre uma fotografia em profundidade, ao passo que o meu sistema é a transformação completa do cinema como espetáculo para os olhos” dizia ele na entrevista. A invenção de Comparato dispensava película especial ou qualquer equipamento adicional, durante as filmagens. Todo o segredo repousava num pequeno aparato que podia ser adaptado a projetores comuns e numa tela especial. A esta, na verdade, cabia o papel mais importante, acondicionada dentro de uma enorme caixa, semelhante a um palco de teatro. Da tela, a imagem era refletida num espelho parabólico que a tornava invisível, dando a impressão que as cenas transcorriam num palco.

Para chegar ao mecanismo, Comparato gastou mais de 13 anos de pesquisas, construindo um laboratório nos fundos de sua casa. O trabalho foi precedido de outras pesquisas com relação ao olho humano e, antes de chegar à terceira dimensão no cinema, ele se dedicara intensamente à estereoscopia (fotografia em relevo). Parece que os esforços empreendidos, inicialmente, tiveram larga repercussão. As exibições especiais feitas em São Paulo e no Rio de Janeiro despertaram calorosos entusiasmos de intelectuais e jornalistas. Paulatinamente, porém, os comentários foram escasseando até desaparecerem por completo. Comparato, que chegara a anunciar a fundação de uma grande companhia produtora para a exploração do novo sistema, alguns anos depois, já deixava transparecer as suas mágoas, recusando um convite que lhe fez a Warner Brother’s em 1951, para transferir-se para os Estados Unidos: “Eu já tinha resolvido a desistir de tudo” conta ele, na citada entrevista a O Globo.

Por que a terceira dimensão brasileira não vingou? A hora em que ela surgiu, certamente, não era oportuna. Poucos anos antes, o cinema havia passado pela revolução do sonoro e esta inovação quase levara a indústria especializada norte-americana à falência. Qualquer novidade não poderia ser, portanto, bem-vista, ainda mais que, já recuperada àquela altura, a indústria cinematográfica reinava absoluta no campo do entretenimento. A luta maior de Comparato, porém, não foi para ser reconhecido pelos norte-americanos. Estes até que valorizaram o seu trabalho. Se, nos primeiros tempos não se interessaram, em 1945, quando procuravam técnicas inovadoras, não se esqueceram dele. A convite da mesma Warner, Comparato passou três meses nos Estados Unidos. Sua recusa em permanecer definitivamente estava presa ao desejo de que a invenção fosse explorada por brasileiros. Para isso, tentou vários caminhos, mas nada conseguiu. A terceira dimensão lançada como invenção norte-americana deve ter-lhe sido uma pílula amarga.

 

Fonte: http://www.almanackpaulistano.com.br/comparato.html

Acesso em março de 2003

http://lepto.procc.fiocruz.br:8081/dic/verbetes/FACMEDCIRSP.htm

Acesso em outubro de 2003