Aeronáutica

Dirigível semi-rígido

O potiguar Augusto Severo, nascido em Macaíba, em 1864, é considerado como o “Mártir da Tecnologia Aeronáutica” e seu tenaz esforço em conquistar os espaços, faz com que – merecidamente – seja visto como um dos pioneiros brasileiros dessa sublime aspiração, ao lado de nomes famosos como o paulista Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, o paraense Júlio César Ribeiro de Souza e o mineiro Alberto Santos Dumont, este cognominado, com justiça, “o Pai da Aviação”. Augusto Severo, foi o primeiro brasileiro a pagar, com a sua vida generosa, a satisfação do ideal que abraçara. Sua vida e seus feitos ficarão sempre na história aviatória do Brasil.

A intrepidez, a coragem e o desprendimento são virtudes inseparáveis à figura de Severo, ele foi tragado pela sua própria invenção, o PAX, em 1902, aos 38 anos de idade, a qual, todavia, sagrou-o para a imortalidade, para o reconhecimento dos pósteres e exemplo para as novas gerações de aviadores brasileiros. O biógrafo Augusto Fernandes traçou em poucas palavras a personalidade de Augusto Severo: “físico avantajado era o espelho fiel de espírito vigoroso. Figura simpática, sabendo o que dizia e trazendo-o desembaraçadamente, com os olhos mansos, o sorriso fácil e os gestos aristocratas, conquistava sem dificuldade as pessoas mais esquivas”.

 

Severo que, viúvo, aos trinta anos, conheceu e amou profundamente a bela italiana Natália, dando-lhe um filho Augusto Natal Severo, em homenagem à amada terra. Com relação às suas preocupações como homem de ciência, Augusto Severo se dedicou primeiro em descobrir o modo-contínuo. Depois, abandonou essa pesquisa. “Pensou também em estudar o “mais” pesado que o ar”. Desistiu. Os seus interesses começavam a se voltar para outra direção, buscava descobrir um meio para dar estabilidade e segura dirigibilidade aos balões. “Imaginou e desenhou, então, o “Potiguarânis”, que não chegou a ser realizado, mas influiu na construção, mais tarde, do Bartolomeu de Gusmão, realmente o seu primeiro dirigível”. Em 1886, dois militares franceses, os capitães Charles Renard e Arthur Krebs, construíram e voaram em um dirigível movido por um motor elétrico. A aeronave denominada La France, fora inteiramente financiada pelo ministério da guerra francês. O motor elétrico, no entanto, apresentava o mesmo problema verificado com o motor a vapor para aplicação aeronáutica: peso excessivo em relação ao empuxo possível com a tecnologia disponível na época. Depois que Santos Dumont recebeu o prêmio Deustsh de la Meurthe, Augusto Severo apresentou um projeto (aprovado) na Câmara Federal concedendo uma ajuda de cem contos de réis para que fosse possível ao mesmo levar adiante as suas experiências com o mais pesado de que o ar.

À sangrenta Revolução Federalista do Rio Grande do Sul segue-se a Revolta da Armada que teve início em setembro de 1893, liderada por altos oficiais da Marinha de Guerra. Floriano Peixoto acolheu com simpatia a proposta do deputado Augusto Severo, de contribuir um dirigível “entrevendo a possibilidade do emprego do balão na luta contra os revoltosos”. Sendo amigo pessoal do presidente da república, Marechal Floriano Peixoto, dele conseguiu uma viagem à França, visando a construir ali, nos célebres estabelecimentos Lá chambre, um tipo de balão contendo inovações, Severo construiu o “Bartolomeu de Gusmão”, que media 60 metros, de forma esférica e com uma barquinha (ou espécie de nacele), que ficava apensa, com 57 metros de comprimento, ligada por suspensão flexível, sistema cujos resultados já haviam sido comprovados em outros modelos de balões. O princípio da rigidez do balão-barquinha não era propriamente novidade. Em 1789 dele já cogitava o Barão Scott, sem contudo lograr resultados.

Augusto Severo, tão logo o recebeu dos construtores franceses, trouxe-o para o Brasil, isto em 1893, guardando-o num galpão do Ministério da Guerra, em Realengo. O historiador Domingos Barros declara que o mesmo realizou várias evoluções cativas demonstrando perfeito equilíbrio do sistema, mas segundo o capitão-tenente Jorge Moller, o balão não teve êxito pois houve um acidente que partiu a “nacelle” e danificou a estrutura rígida. Augusto Severo aprofundou-se nos estudos e projetou o “tubo motor de reação”, que dizem ter sido usado pela torpedeira “A Turbina”, que pertencia à marinha inglesa. Segundo Augusto Fernandes, a “Turbina” chegou a atingir uma velocidade de 37 milhas. Planejou também a hélice dentro de um grande tubo, permitindo a um “navio” aéreo inverter sua marcha e deslocar-se à frente como a ré.

“Em 19 de outubro de 1901, Santos Dumont, com o dirigível ‘Santos Dumont nº 6”, realizou um grande feito, pelo qual recebeu o prêmio “Deutsc” . Depois de levantar voo de Saint-Cloud, para assombro do povo de Paris, contornou a Torre Eiffel. Anterior a essa data, houve um movimento no Brasil para prestar uma homenagem ao aeronauta brasileiro. No Congresso Nacional, o deputado federal Bueno de Paiva propôs, no dia 17 de julho de 1901, um voto de louvor a Santos Dumont, por ter encontrado “a solução do secular problema” da dirigibilidade e estabilidade. Acontece que Augusto Severo, um profundo conhecedor da questão, sabia que tal solução não havia sido encontrada e protestou contra a inverdade. Mas, reconhecendo a importância do aeronauta, propôs que fosse inserido em ata um voto de louvor a Alberto Santos Dumont e ainda concedido ao ilustre brasileiro, como prêmio o valor de 100:000$000, importância que ele precisava para continuar suas experiências. O discurso de Augusto Severo foi simplesmente brilhante. Ao conclui-lo foi, além de muito aplaudido, abraçado pelos deputados presentes.

Augusto Severo, após licenciar-se da Câmara Federal, partiu para Paris com a finalidade de fazer, igualmente, experiência no campo da aeronáutica. Em 1902, reuniu todos os seus meios financeiros disponíveis, incluindo ajuda de amigos e parentes, viajou a Paris para construir o balão “PAX” dimensões menores que o anterior, medindo 30 metros e com tecnologia mais avançada. O nome usado no balão simbolizava a sua crença no instrumento, pois achava que poderia evitar guerras entre nações. Augusto Severo patenteou, entre outros inventos, o motor Augusto Severo, um balão dirigível, um mecanismo de direção para balões, o balão Pax e ainda uma máquina rotativa reversível para impressão gráfica.

Na construção do PAX, na cidade de Voujirard, Severo contou com a importante ajuda do mecânico George Sachet. A barquinha era construída de bambu e junto a ela estavam fixados dois motores Buchet, de quatro cilindros cada um, de 16 hp e de 24hp. Os ditos motores se situavam nas extremidades da barquinha, de sorte que, pelo interior da mesma, era possível ir de um motor a outro. Os motores impulsionavam as hélices traseira e dianteira por meio de tubos de aço e engrenagens (pinhões) transmitindo o movimento das duas hastes horizontais, nos extremos das quais se fixavam as hélices. Estas eram do tipo propulsivo, mediam, a da frente 5 metros de diâmetro e a traseira 6 metros e giravam a 50 rpm. Além destes, havia ainda dois pares de hélices também acionadas pelos motores e colocadas no mesmo eixo normal ao plano longitudinal de simetria, tendo por objeto exercer o papel de lemes. Uma sétima hélice compensadora, de 3,5 metros de diâmetro, destinava-se a corrigir as inclinações verticais e estava colocada sob a barquinha, podendo ser utilizada para manter o equilíbrio do aeróstato.

O aparelho representava uma nova concepção de dirigível. Até então, os aparelhos eram compostos de duas partes distintas, unidas por cordas ou fios de arame: o invólucro contendo o gás e a barca contendo o motor, local em que viajava o aeronauta. A separação entre os dois corpos causava um movimento oscilatório durante o voo e provocava considerável perda de velocidade, energia e capacidade de manobra, além de representar um fator permanente de acidentes. Santos Dumont, por mais de uma vez, sofreu a perda de controle de seu aparelho em função da flacidez do envelope contendo o gás. Severo concebeu seu aparelho como um todo rígido, fazendo coincidir o eixo de resistência ao avanço com o eixo de propulsão, instalando a hélice propulsora na extremidade posterior do eixo longitudinal que atravessava o envelope contendo o gás, fazendo com que a barca e o invólucro constituíssem um mesmo corpo. A barca e o eixo longitudinal do envelope contendo o gás formavam um trapézio, cuja base inferior era constituída pela primeira e a base superior pelo segundo. Dessa maneira, a oscilação era reduzida, diminuindo as perdas de velocidade, capacidade de manobra e superando uma das causas de frequentes acidentes.

O conde Zepelin concebeu seus aparelhos como um todo rígido, anulando a separação entre a barca e o envelope contendo o gás, e construindo o invólucro de uma malha de liga de metal leve, que também apresentava rigidez. Até Zepelin, todos os projetos de dirigíveis, inclusive os de Severo, haviam usado tecido para descobrir o invólucro com o gás. A concepção da estrutura rígida, devida a Severo, antecedeu em 14 anos ao primeiro voo de Zepelin sobre o Lago Constança.

O balão a despeito de alguns defeitos, como por exemplo a falta de lubrificação dos mancais, a pouca largura da barquinha e principalmente o risco de incêndio pela inconveniente posição dos motores, muito próximos à esfera de gás, tinha méritos, destacados pelo engenheiro Carlos Sampaio: “Efetivamente, de todos os sistemas que tem sido propostos para a solução do problema é este o único em que se procurou realmente efetuar a coincidência do centro de tração com o centro da resistência e é este o único meio em que se realizou esta condição. Augusto Severo, procurando realizar a condição de coincidência do centro de pressão e de centro de propulsão realizou do mesmo modo a condição das duas partes, balão e barquinha, constituindo um só sistema” e pelo historiador Domingos de Barros: “Todas as aeronaves criadas até agora, inclusive o magnífico Zepelin alemão, têm sido projetados para preencherem exatamente o mesmo programa dos navios marinhos. Augusto Severo foi o único, de todos os elaboradores da aeronáutica, que considerou a navegação aérea como radicalmente diversa da navegação sobre o mar”.

No dia 12 de maio de 1902, no parque Vaugirad em Paris, fez manobras durante 10 minutos com o seu balão, realizou círculos fechados apresentando figuras em forma de oito, provando a operacionalidade do invento e a sua habilidade em manejá-lo. O balão pareceu tomar o seu rumo com destino ao ponto prefixado. Subitamente, quando o “PAX” achava-se aproximadamente a 400 metros de altura, o balão apresentou-se envolto em chamas e segundos depois uma violenta explosão se fez ouvir. Terminara o sonho de Augusto Severo. Morreram ambos, Severo e Sachet, tendo seus corpos caídos carbonizados na Avenue du Maine de Paris. Não se sabe ao certo a causa do acidente, há quem diga que numerosas pessoas, em tempo, advertiram Severo para o perigo da localização do tubo de escapamento do motor, disposto no apêndice do balão, mas Severo, não convencido, persistiu no erro, desprezando a advertência.

Segundo o jornalista Georges Caye, testemunha do acidente, Severo havia imaginado utilizar motores elétricos e pilhas muito potentes, mas não podendo demorar-se em Paris (seu mandato de Deputado chamava-o de volta ao país), aconselharam-no a substituir os motores elétricos, cuja construção seria lenta e onerosa, por motores a explosão Buchet. O inventor tinha receio de empregar o motor a petróleo: “Se eu dispusesse ainda de dinheiro e de tempo não hesitaria um só instante em mandar construir meus motores elétricos (…) considero com pavor esse foco de calor em baixo de meu balão”.

Na França, no local da queda de Severo existe hoje uma placa de mármore com os seguintes dizeres: “À lá memorie de L`Aéonaute Brésilien AUGUSTO SEVERO et de son mécanicien français GEORGE SACHÊT Chute du dirigible PAX – Av du Maine. Le 12 mai de 1902”. Em Natal, no dia 12 de maio de 1913, por ocasião do 11º aniversário da sua morte, foi inaugurada a Praça Augusto Severo em homenagem ao ilustre potiguar. No cemitério São João Batista: Na base do túmulo de Severo há um baixo relevo em bronze com o desenho do PAX e uma âncora, colocada como homenagem da Marinha de Guerra ao seu grande defensor na Câmara dos Deputados. Na parte superior do túmulo pode ser visto outro medalhão de bronze, com o retrato do aeronauta. Há também uma inscrição em latim, de autoria do Senador pelo Rio Grande do Norte Almino Afonso: “Sidera vincere conatus vincit mortem”, que significa “Tendo se esforçado para vencer os astros venceu a morte”. Como escreveu Olavo Bilac, em 31 de maio de 1902, “para Augusto Severo, o desastre foi uma glorificação”. Seu espírito ainda vive, quase um século depois, na França e no Brasil. Em Paris, existe uma “rue” chamada Augusto Severo, e na cidade de Natal, Rio Grande do Norte, construiu-se o Aeroporto Internacional Augusto Severo.

 

Fonte:

http://geocities.yahoo.com.br/fatosefotosgav5/46aeroporto.html

http://www.tribunadonorte.com.br/especial/histrn/hist_rn_11j.htm

http://aviadoresonline.com/historia/augusto_severo.htm

A inventiva Brasileira, Clóvis da Costa Rodrigues, 1973, página 859.

Agradeço a contribuição do pesquisador Rodrigo Moura (rodrigodebarba@globo.com)

Acesso em maio de 2002

http://www.nascente.com.br/enciclop/cap002/014.html

http://www.coc.fiocruz.br/hscience/vol3n2/fon32.html

Acesso em outubro de 2002

http://204.83.160.230/archive/b/archive4.htm

Acesso em outubro de 2003