Biotecnologia

Genoma do Eucalipto

A indústria de papel e celulose encontrou uma arma poderosa para melhorar sua competitividade no mercado mundial: a biotecnologia. Empresas do setor se uniram à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), à Universidade de São Paulo e ao Ministério da Ciência e Tecnologia para estudar, pela primeira vez, o sequenciamento genético do eucalipto, matéria-prima da celulose, diversos tipos de papel, chapas de madeira, aglomerados, carvão vegetal, entre outros produtos. Originário da Austrália, o eucalipto chegou ao País em 1825. Em setembro de 2001, duas pesquisas começam a ser desenvolvidas para descobrir como tornar as florestas brasileiras mais produtivas. Da primeira iniciativa, que exigirá mais de R$ 2 milhões em investimentos, fazem parte a Votorantim Celulose e Papel (VCP), Suzano, Ripasa e Duratex. O segundo projeto inclui Aracruz, Riocell, Rigesa, Cenibra, Bahia Sul, Celmar, International Paper, além da VCP. O valor desse projeto não foi divulgado. “Mais uma vez, os pesquisadores nacionais estão à frente de pesquisas inovadoras em biotecnologia”, afirma Helaine Carrer, professora de Ciências Biológicas da USP e coordenadora do primeiro projeto.

 

Poucos cientistas no mundo tentam decifrar o genoma do eucalipto. Até hoje, nenhuma das iniciativas mostrou resultados práticos. No Brasil, somente dentro de cinco anos a indústria poderá aplicar as descobertas na produção. “Vale a pena esperar”, diz José Maria de Arruda Mendes Filho, gerente geral da área florestal da VCP. As pesquisas mostrarão como reforçar a defesa das árvores, melhorar sua qualidade e ampliar a produtividade. Experiências desenvolvidas há 20 anos com o cruzamento de espécies já tinham garantido maior produtividade para o setor no Brasil. Hoje, são produzidos 45 metros cúbicos de madeira por hectare ao ano, enquanto no início da década de 80 esse índice chegava no máximo 10 metros. “As possibilidades que se abrem com a genética são imensas”, anima-se Raul Chaves, chefe de desenvolvimento silvicultural da Duratex.

O Brasil tem a maior área com plantio de eucalipto do mundo. Patrocinado pela iniciativa privada, o Genoma do Eucalipto deve demorar cinco anos para ser concluído. O projeto já foi submetido ao MCT e reúne 12 empresas. As pesquisas estão sendo realizadas em quatro universidades, na busca principalmente de propriedades físico-químicas de genes de importância econômica, para manejo de campo e tecnologia de madeira. “Diferentemente do processo de melhoramento genético, onde são selecionadas variedades que melhor se desenvolvem ou sejam resistentes a pragas e doenças, o Genoma do Eucalipto busca comparar espécies bem desenvolvidas com as depreciadas comercialmente, para identificar a diferença entre as plantas e aí encontrar os elementos de melhor propriedade comercial”, explica André Brommonschenkel, um dos coordenadores da pesquisa.

Foi lançado em fevereiro de 2002, em Brasília, o projeto Genolyptus, coordenado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), que pretende aumentar a produtividade da indústria brasileira de papel e celulose. O Genolyptus foi anunciado na mesma semana em que outro projeto, o Forests — parceria entre empresas, universidades paulistas e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) –, divulgava a conclusão do sequenciamento de 110 mil fragmentos do genoma do eucalipto. Apesar de terem objetivos similares, os dois projetos vão atuar separados, pelo menos por enquanto. O objetivo comum a Genolyptus e Forests é o melhoramento genético do eucalipto, principal árvore empregada para a produção da celulose, matéria-prima do papel. Os dois projetos pretendem tornar a árvore mais resistente à seca, ao frio e a doenças, e aumentar a qualidade da madeira a partir, por exemplo, da definição da proporção ideal de lignina (substância que sustenta o eucalipto, mas é descartada para a produção de papel). A metodologia de ambos, no entanto, é diferente.

Para o ministro de Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, o Genolyptus tem enfoque e abrangência distintos em relação ao mapeamento genético do eucalipto desenvolvido em São Paulo pela Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapesp). ‘‘A nossa ótica é diferente, trabalhamos nacionalmente’’, disse. ‘‘Trabalhar com o Brasil como um todo é mais complexo do que lidar com a região mais altamente desenvolvida do Brasil, que é São Paulo.’’ O coordenador do Genolyptus, Dario Grattapaglia, deu a entender que gostaria de somar esforços com os pesquisadores paulistas. “Tentamos sempre (a parceria) e continuamos de portas abertas”, afirmou o pesquisador da Embrapa e professor da Universidade Católica de Brasília.

O Forests trabalha com duas etapas: na primeira, é feito o sequenciamento do genoma expresso do eucalipto, ou seja, dos trechos de seu DNA que comandam a produção de proteínas; na segunda, os cientistas tentam correlacionar os genes sequenciados às funções da planta. A Fapesp investiu 530 mil dólares na primeira fase, e as quatro empresas participantes (Votorantim, Suzano, Duratex e Ripasa), cerca de 250 mil. Os dados resultantes da pesquisa serão compartilhados pelas empresas. O Genolyptus — do qual participam sete universidades, 12 empresas e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) – tem abordagem diferente. Em uma rede experimental que vai do Pará ao Rio Grande do Sul, serão observadas e cruzadas árvores com diferentes características. Com o uso de mapeamento genético, sequenciamento de DNA e mapeamento físico do genoma do eucalipto, serão identificadas as regiões do genoma que controlam funções ligadas principalmente a qualidade da madeira e resistência a doenças. O projeto, financiado pelo Fundo Verde-Amarelo, do MCT, é orçado em 12 milhões de reais.

Em um primeiro momento, os coordenadores dos projetos não descartam a possibilidade de união: “pode vir a acontecer”, diz Helaine Carrer, do Forests; “estamos de portas abertas”, afirma Dario Grattapaglia, do Genolyptus. A boa vontade esbarra nos interesses das empresas envolvidas. Para Raul Chaves, representante da Duratex (que só participa do Forests), tudo depende do que for oferecido. “O intercâmbio de informações teria que ser negociado.” Grattapaglia, no entanto, acha que “esse intercâmbio só será interessante se os projetos tiverem mais a oferecer além de sequências de DNA.” Segundo ele, o sequenciamento em si é apenas um componente. “Essencial é fazer sentido do que foi sequenciado, o que só é possível com investimento em experimentação de campo e integração de conhecimentos.”

A biotecnologia está revolucionando a atividade humana nas mais diversas áreas. Assim como nos outros setores, no florestal novas tecnologias como transgenia, genômica, e bioinformática possuem um enorme retomo econômico. A associação dessas tecnologias aos programas de melhoramento convencional de árvores, pode acelerar o processo de obtenção de produtos com características específicas. Segundo o projeto Forests, o crescimento da Genômica tem possibilitado o sequenciamento de um grande número de ESTs (“expressed sequence tags”), que são sequências parciais de genes expressos, de várias culturas a partir de clones de CDNAS gerados ao acaso a partir de tecidos específicos. Essa tecnologia representa uma importante ferramenta para o isolamento de novos genes envolvidos nos diferentes processos fisiológicos.

Com a explosão de informações que os projetos genoma estão gerando há uma grande necessidade de ferramentas para o entendimento de como os sistemas biológicos funcionam. As ESTs, que correspondem a fragmentos que identificam os genes, podem ser imobilizadas aos milhares em lâminas, que constituem os microarrays. Esses microarrays são extremamente úteis para a caracterização do padrão de expressão gênica assim como para a análise da expressão gênica diferencial entre indivíduos ou tratamentos diferentes. Entretanto, essa análise é bastante dificultada pelo fato de que aproximadamente 90% das espécies de RNA mensageiros produzidas em uma célula são mensagens raras (poucas cópias/célula). Adicionalmente, o objetivo final do projeto Forests não é apenas a identificação de genes do eucalipto, mas o uso dessa informação na análise da expressão genica usando os microarrays, o que permitirá o desenvolvimento de uma nova tecnologia para a identificação de genes envolvidos no controle genético da qualidade da madeira, resistência à doenças e pragas, estresses ambientais e tolerância à deficiências nutricionais. . Esta informação estará prontamente disponível às empresas para ser utilizada em futuros esforços para modificar as propriedades da madeira para uso industrial ou outras características.

0 projeto genoma eucalipto Forests tem por objetivo identificar 15.000 genes através do sequenciamento de aproximadamente 100.000 ESTs preparadas a partir de bibliotecas de diferentes tecidos, incluindo plântulas, folhas, raízes, caule e madeira. As sequências de ESTs serão anotadas automaticamente e “clusterizadas” para a identificação dos genes. Utilizando tecnologias de bioinformática o projeto fará a análise destas sequências observando a redundância durante o sequenciamento, comparação (BLAST) das sequências com banco de dados disponíveis mundialmente e dentro do programa genoma/FAPESP e será realizada a “clusterização” das sequências obtidas por programas especiais de análise de dados como CAP3 e outros. 0 sequenciamento será conduzido pela rede ONSA-AEG da FAPESP que compreende 22 laboratórios espalhados em todo o estado de São Paulo. A informação gerada pela rede ONSA-AEG não estará disponível imediatamente ao público. Esse tempo será necessário para a ampla exploração das informações e desenvolvimento de patentes. 0 início do sequenciamento está previsto para outubro de 2001 com término em fevereiro de 2002. Uma vez terminada a 1ª fase do projeto terá início a análise funcional das sequências utilizando a estratégia de Microarrays.

Um banco de dados com 112.152 sequências de DNA da espécie Eucalyptus grandis foi o resultado da primeira fase do projeto Forests Eucaliptus Genome Sequencing Project Consortim, coordenado por docentes da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ) da USP de Piracicaba e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e concluída em março de 2002. Financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e por quatro empresas dos setores de papel e celulose e de aglomerados de madeira Votorantim, Ripasa, Suzano e Duratex, o estudo possui como objetivo aumentar tanto a eficiência da produção madeireira como a qualidade dos produtos. Foram 20 laboratórios os responsáveis por decifrar o DNA do eucalipto. Espalhados por todo o Estado de São Paulo, esses laboratórios integram a Rede Onsa (Organização para o Sequenciamento e Análise de Nucleotídeos) criada em 1997 pela Fapesp e utilizada no sequenciamento da Xylella fastidiosa. Segundo a engenheira agrônoma Helaine Carrer, uma das coordenadoras do Forests, foram analisadas amostras de diversos tecidos do eucalipto. “Estipulamos que aproximadamente 110 mil genes deveriam ser sequenciados para termos uma boa representatividade da árvore. Além disso, coletamos material da folha, da raiz, do caule, da madeira, da casca da madeira, dos botões florais e também de tecidos de plantas que passaram por algum tipo de estresse”, afirma. Segundo Helaine, é importante ter informações genéticas de plantas que passaram por algum tipo de estresse ou que foram infectadas por bactérias ou fungos. “Com essa variedade poderemos conhecer todos os genes que se expressam sob essas condições”, completa.

No dia 2 de fevereiro, o Forests anunciou a conclusão da primeira etapa da pesquisa. “Agora vamos identificar, dentro desse banco de dados, quais são os genes responsáveis por determinadas características da planta, principalmente as que interessam ao setor produtivo”, afirma Helaine. A previsão é que essa segunda fase dure pelo menos três anos. Segundo Helaine, “dessas 112.152 sequências, obtidas aleatoriamente, muitas se expressam da mesma forma em diferentes tecidos e, portanto, são decodificadas mais de uma vez. Utilizando alguns parâmetros e a bioinformática, é possível identificar e agrupar essas sequências semelhantes”. O trabalho já foi realizado e as cadeias foram distribuídas em cerca de 27 mil grupos. “Comparando nossas sequências com as disponíveis no banco de dados internacional, descobrimos que aproximadamente 15 mil grupos são parecidos aos já identificados. Então temos 12 mil grupos sem nenhuma correspondência. Esses são de muito interesse, pois devem ser genes específicos da árvore, podendo representar processos metabólicos exclusivos do eucalipto.”

Nesta segunda fase estão sendo analisados os 28 mil genes mapeados: os quais estão relacionados com o crescimento da árvore, com a formação da madeira e sua resistência à doenças: “Todos estes dados estão presentes na sequência de DNA. Agora pretendemos confirmar o que observamos nas análises por meio de experiências práticas”, explica Helaine Carrer. Uma das atividades realizadas nesta etapa é a coleta de plantas que demonstram resistência à determinadas doenças e analisados os genes responsáveis por essa resistência: “Na primeira fase estávamos focados na análise da sequência genética. Agora estamos realizando pesquisa propriamente dita com análise comparativas entre plantas, comenta. Segundo a pesquisadora será necessário um investimento de R$2 milhões nesta segunda etapa, por parte das quatro empresas patrocinadoras. A outra fatia, que deverá vir da Fapesp, ainda não tem valor definido.

Segundo o professor do Departamento de Genética da ESALQ, Carlos Alberto Labate, outro coordenador do Forests, “o Brasil é o maior produtor de papel e celulose de eucalipto. O mercado internacional desses produtos é extremamente competitivo. E a competição tende a aumentar. Dessa forma, as empresas brasileiras têm de ganhar em escala de produção”. Na primeira etapa, a Fapesp investiu US$ 530 mil, enquanto cada uma das quatro empresas integrantes do consórcio forneceu R$ 250 mil. Um acordo de propriedade intelectual foi firmado entre Votorantim, Ripasa, Suzano e Duratex, determinando que as informações geradas a partir das pesquisas do Forests serão igualmente compartilhadas. Além de Helaine e Labate, são coordenadores do Forests o professor Luiz Lehmann Coutinho, do Departamento de Produção Animal da ESALQ, e Celso Luís Marino, do Departamento de Genética do Instituto de Biociências da Unesp.

 

Fonte: http://www.terra.com.br/dinheironaweb/204/negocios/204_eucalipto.htm

http://www.uol.com.br/cienciahoje/chdia/n566.htm

http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/out2001/unihoje_ju167pag09.html

http://www2.correioweb.com.br/cw/2002-02-21/mat_33448.htm

http://www.mct.gov.br/comunicacao/textos/default.asp?cod_tipo=1&cod_texto=2003

http://watson.fapesp.br/PITE/Agrarias/engflor2.htm

http://www.usp.br/agen/bols/2002/rede930.htm

http://www.tierramerica.net/2002/1021/particulo.shtml

acesso em fevereiro de 2003

Jornal Gazeta Mercantil de 15.02.02 página C-8