Fármacos

Polvilho Antisséptico Granado

Em 1860, o português José Antonio Coxito Granado desembarcou no Brasil, com apenas 14 anos de idade, em busca de novas oportunidades. Logo que chegou, o jovem José Coxito começou a trabalhar numa botica na rua do Hospício (hoje rua Buenos Aires), onde desenvolvia a atividade de lavador de frascos, em troca de casa, comida, roupa lavada e cinco mil réis por mês. Alguns anos depois, foi convidado para dirigir a então já tradicional botica de Barros Franco, que havia sido fundada em 1836 e ficava na Rua Direita, nº 12 (hoje Primeiro de Março, nº 14) – região de concentração de estabelecimentos farmacêuticos. Era uma loja simples, com apenas duas portas e pequenas prateleiras. Em 1869, José Coxito fez proposta de compra da botica de Barros Franco, negócio que se concretizou em janeiro de 1870, após o pagamento de sete contos de réis. Nasceu, então, a Casa Granado. 

Estrategicamente, a pharmacia funcionava no núcleo mais dinâmico do Rio de Janeiro Imperial. Nas proximidades da Rua Direita concentrava-se o alto comércio, os atacadistas e as casas de câmbio, além dos prédios político-administrativos e as mais charmosas lojas, restaurantes e casas de chá. José Coxito determinou-se, então, a dar nova vida ao estabelecimento. Como não era farmacêutico, ajudou a formar seu irmão – João Antonio Coxito Granado – que passou a ser o profissional responsável pela farmácia. Além disso, cercou-se de profissionais de reconhecida capacidade, o que levou a Casa Granado a alcançar grande desenvolvimento, ainda no século XIX, quando expandiu suas instalações, ocupando os prédios vizinhos, nºs 16 e 18 da rua Primeiro de Março (antiga rua Direita). A população da capital do Império, acostumada ao consumo de produtos importados da Europa, viu com satisfação a pequena farmácia começar a fabricar remédios e produtos de “toillete” – muitos com qualidade comparável aos similares estrangeiros e que traziam, como vantagem, a adaptação aos padrões e às necessidades brasileiras. 

Além disso, a Granado trazia do “velho mundo” novos medicamentos que eram adaptados pelo laboratório e vendidos no mercado nacional. Como reflexo da importância que a Casa Granado alcançou em pouco tempo a empresa tornou-se uma das fornecedoras oficiais da Corte. Por volta de 1880, a Granado ostentava o título de Imperial Drogaria e Pharmacia de Granado & Cia. e trazia o brasão do Império inscrito nos frascos de seus remédios. A partir daí, nasceu uma amizade pessoal entre o Imperador Pedro II e José Granado, que chegou a ser agraciado com uma comenda. O prestígio do Comendador e da Casa Granado manteve-se inalterado também no período republicano. A farmácia tornou-se “ponto de encontro” de estadistas, diplomatas, escritores, militares, homens das finanças, da indústria e da sociedade brasileira, que participavam de almoços patrocinados por José Coxito, em área especialmente reservada para esta finalidade nas instalações da rua Primeiro de Março. Entre as figuras de destaque que estiveram presentes na Casa Granado, em várias ocasiões, destacam-se Rui Barbosa, José do Patrocínio, Francisco Pereira Passos e Oswaldo Cruz, entre muitas outras. 

Em 1897, foi instalado o Laboratório Pharmaceutico Clínico e Industrial a Vapor, na rua Visconde do Rio Branco, nº 27, a primeira do Rio de Janeiro a funcionar 24 horas. Em 1912, foi adquirido o prédio contíguo da rua do Senado, visando ampliar a área industrial da empresa. Em 1917, foi inaugurada, em prédio próprio, a filial da Rua Conde de Bonfim, nº 300, na Praça Saens Peña. A filial destacava-se pelo fato de ter sido um dos primeiros prédios construídos especialmente para abrigar farmácia e drogaria. No térreo, até hoje existem as instalações comerciais e de laboratório. No primeiro andar, consultórios médicos e laboratórios de análises clínicas e, no andar superior, localizava-se, então, a residência do farmacêutico. A Granado chegou a abrir filiais e distribuidoras em São Paulo, Belo Horizonte, Campos, Porto Alegre e Salvador e manteve representantes na Argentina, Venezuela, Chile e na África Oriental. 

A fórmula do Polvilho Antisséptico foi criada em 1903, pelo farmacêutico João Bernardo Coxito Granado – irmão de José Coxito, o fundador da Casa Granado. Naquela época, o médico sanitarista Oswaldo Cruz foi quem licenciou a fabricação do Polvilho, já que ele era “chefe” da Inspetoria Geral de Saúde. A embalagem original do Polvilho era praticamente igual à de hoje, com uma embalagem dourada, enfeitada com ornamentos art noveau, e com o símbolo de um estrela de seis pontas dentro de um círculo, circundada pela palavra Granado. A única diferença é que a embalagem era mais “achatada” e inteiramente metálica. Com a Segunda Guerra, a lata foi trocada por uma de papelão, devido à escassez de folha-de-flandres. Por volta dos anos 40, o produto ganhou nova forma, já bastante parecida com a atual, embora continuasse totalmente metálica. Em 1958, quando se comemorou o enchimento de um milhão de tubos de Polvilho Antisséptico, a embalagem já era idêntica à de agora. Em 1968, a marca “Polvilho Antisséptico” quase foi perdida com o lançamento de produto similar por uma grande empresa internacional. Em 1976, através de processo no Tribunal Federal de Recursos, a Granado recuperou a propriedade. 

A Casa Granado também editava publicações especializadas, como o almanaque O PHAROL DA MEDICINA – publicado desde 1887 até a década de 40 – que visava a disseminação dos produtos Granado à população em geral. Além dele, a REVISTA BRASILEIRA DE MEDICINA E FARMÁCIA começou a circular em 1925 e chegou a alcançar a tiragem de 20 mil exemplares, circulando em todo o Brasil e até no exterior. Conceituados médicos utilizavam-se da revista para trocar experiências, disseminar novas técnicas de tratamento e indicar medicamentos. Essas publicações eram totalmente impressa em gráfica própria, localizada na Rua do Lavradio que também se responsabilizava pela produção de livretos, receituários e embalagens dos produtos. Em 1924, sem qualquer apoio ou estímulo oficial, José Granado fez um vasto levantamento das plantas medicinais existentes no Brasil e mandou fazer um catálogo, escrito em francês, que se tornou fonte de consulta em todo o mundo. José Coxito possuía propriedades em Teresópolis, onde cultivava parte das espécies pesquisadas. No laboratório da Casa Granado foi escrita a primeira farmacopéia brasileira, inteiramente produzida pelo pesquisador Rodolpho Albino da Silva, então diretor técnico do laboratório. Em 1926, no governo de Arthur Bernardes, o trabalho de Rodolpho Albino passou a ser considerado como a farmacopéia oficial do Brasil. 

Rapidamente, a Casa Granado conseguiu atingir um grau de progresso que lhe proporcionou a elevação do nome do Brasil a um nível que nenhuma outra instituição havia antes atingido. Assim, a Casa Granado contribuiu significativamente para o desenvolvimento da indústria farmacêutica brasileira. José Coxito Granado faleceu em 1935, deixando a direção da empresa a seu irmão João Bernardo Coxito Granado. A sucessão, porém, não interrompeu o ciclo de desenvolvimento da Casa Granado. No início da década de 40, o Laboratório Chimico-Pharmaceutico Granado era considerado um dos maiores da América do Sul e um dos mais respeitados estabelecimentos do gênero do Brasil. A Casa Granado tinha, então, cerca de 600 funcionários e produzia mais de 300 especialidades farmacêuticas, além de uma infinidade de produtos manipulados sob orientação médica. Após a morte de João Granado, em 1943, a direção da Casa Granado passou a ser realizada pelo genro do fundador – Armando Ribeiro Vieira de Castro – que havia se casado com Manuela Granado, filha de José Coxito. 

Na década seguinte, sob a direção de Otto Serpa Granado – também filho do fundador – e a vice-presidência de Carlos Granado Vieira de Castro – filho de Armando Ribeiro e Manuela Granado – a Casa Granado deu continuidade ao constante processo de crescimento. Mais tarde, com a morte de Otto Granado, o gerenciamento do negócio passou a ser realizado por Sr. Manoel Maria Brandão, embora a direção geral do negócio ainda fosse realizada por Carlos Granado. A partir da década de 40, especificamente no período pós-guerra, o Brasil passou a sofrer uma série de mudanças, especialmente na área industrial. Grandes indústrias químicas internacionais instalaram-se no Brasil, modificando completamente o mercado farmacêutico nacional. Aos poucos, a Casa Granado foi deixando de fabricar vários produtos que não podiam competir com os similares da grande indústria, restringindo-se aos mais tradicionais, como o Polvilho Antisséptico (fabricado desde 1903), o Sabonete de Glicerina (desde 1915), a Água Inglesa (desde 1891) e o Vinho Reconstituinte, entre outros. Contudo, jamais deixou de preservar sua tradição de qualidade que até hoje é sua maior característica. Aos 130 anos de idade, a Casa Granado coloca-se entre as pioneiras da indústria farmacêutica no país, mantendo-se totalmente nacional. Muitos dos tradicionais laboratórios brasileiros associaram-se ou passaram às mãos de marcas estrangeiras. 

Segundo o designer Frederico Carlos da Cunha o principal sinal gráfico que, do ponto de vista da programação visual, foi colocado em destaque na composição da marca Granado foi o hexagrama (estrela de seis pontas) chamado “selo de Salomão” que evoca também a lembrança da chamada “Estrela de Davi”, um poderoso símbolo que ficou fortemente impresso no inconsciente coletivo após muitas situações históricas, principalmente as suas mais recentes ligações com o povo judeu e o holocausto. O símbolo era evocado de modo a produzir condições de ser interpretado como um centro de emanação de poder, o que projetava um sentido de vital importância. O círculo no qual ele está inscrito fortalece ainda mais o impacto de seu conteúdo gráfico e aumenta o poder de fixação visual da marca como um todo. O traço azul espesso em contraste com o campo interno branco produz uma sensação de duplicidade no símbolo. 

Em 1993 as Casas Granado foram vendidas por Carlos Granado, neto do fundador José Coxito Granado, ao inglês Christopher Freeman. Carlos Granado não tem herdeiros e tampouco dinheiro para investir na modernização da empresa, que, apesar de tudo, mantém-se lucrativa graças à força de sua marca. O empresário está pedindo US$ 8 milhões, e contratou o consultor inglês Christopher Freeman para procurar interessados. “Até os encontrei, mas nenhum quis levar o pacote completo. Queriam apenas a marca”, relembra Freeman, 57 anos, ex-executivo do Bank Boston que parou no Rio ao cair de amores por uma carioca nos anos 80. Depois de muitas negativas, por fim o inglês achou um comprador: ele mesmo. Freeman raspou as economias e pediu empréstimo ao banco para fechar a arriscada transação. Passados onze anos, ele relata com orgulho o seu “causo” corporativo particular. “É algo que jamais eu podia imaginar que viveria quando deixei Newcastle, em 1969.” 

E Freeman viveu a Granado intensamente nos últimos tempos. Transformou-a numa empresa moderna, competitiva, está construindo uma fábrica, adquiriu outras marcas, diversificou a linha de produtos e até começou a exportar. Resultado: o faturamento cresceu de R$ 10 milhões em 1994 para R$ 100 milhões em 2004. Para começar, ainda em 1993, Freeman se livrou de metade da operação: duas grandes farmácias que garantiam receita de R$ 5 milhões. A verba obtida foi investida em informatização e na criação de uma rede de distribuição. Hoje, a Granado tem 30 vendedores equipados com laptops. “Qualquer entrega agora é feita em 24 horas (contra os 30 dias dos tempos das cartas)”, conta Freeman, que também deu uma chacoalhada na linha de produtos. Restrita a talcos, sabonetes, xaropes e supositórios, ela hoje tem mais de 300 itens, entre os quais produtos para bebês e para cachorros. “Freeman passou bem pelo maior desafio em casos como esse: diversificando a linha, ele trouxe novos consumidores para a marca. São eles que vão rantir a sobrevivência da Granado, não os saudosistas”, avalia o consultor José Roberto Martins.

Em 2004, Freeman arriscou de novo: comprou a marca de sabonetes Phebo, que estava esquecida num canto do portfólio da americana Sara Lee. Não foi apenas um negócio de oportunidade. Com a Phebo, Freeman pôde estruturar sua companhia como imaginou desde o início: uma divisão de produtos de saúde (Granado) e outra de cosméticos (Phebo). Este ano, quando espera crescer 25%, ele abrirá uma nova fábrica de 30 mil m2 em Japeri (RJ), que se somará à de Belém (PA). Com investimento de R$ 35 milhões, a Granado passará a brigar nos segmentos de cremes dentais, maquiagens e perfumes. Mas ainda há o que fazer, diz Freeman. “Vou comprar outras marcas, levar a Granado ao exterior (um pequeno escritório já funciona em Nova York) e abrir o capital na Bolsa de Valores”, planeja. “Mas vamos sem pressa, temos tempo. Afinal, levamos só 135 anos para chegar aqui”, diz ele, com tradicional humor britânico. 

Fonte: http://www.granado.com.br/ 
acesso em dezembro de 2002 
Marcas de Valor no Mercado Brasileiro de Anna Accioly, Joaquim Marçal F. de Andrade, Lula Vieira e Rafael Cardoso Denis, SENAC/INPI, 2000, página 70 
A proteção legal do design, de Frederico Carlos da Cunha, Ed. Lucerna, pagina 44 
http://www.terra.com.br/istoedinheiro/391/negocios/granado.htm 
acesso em maio de 2005