Doenças Tropicais

Remédio contra Mal de Chagas – Marcio

Novos medicamentos contra a doença de Chagas são sempre bem-vindos. Hoje, o mais utilizado é o benzonidazol, princípio ativo do Rochagan, medicamento produzido pela Roche, indústria farmacêutica sediada na Suíça. Ele retarda os efeitos da doença, mas não promove a cura. A cubebina, inicialmente, não vai modificar esse quadro terapêutico, mas deve proporcionar tratamentos com menos efeitos colaterais, conforme testes feitos in vitro (em células) e in vivo (em camundongos), e comparados ao benzonidazol. O coordenador da pesquisa, o farmacêutico Márcio Luís Andrade e Silva, da Unifran, uma instituição privada paulista, acredita que uma droga poderá surgir de ao menos um dos três compostos obtidos a partir da cubebina: o metilpluviatolido, a hinoquinina, o O-dimetiletilaminocubebina e a nitrohinoquinina. Eles se mostraram 100% eficazes na destruição de uma das formas do causador da doença, o protozoário Trypanosoma cruzi , chamada tripomastigota, que circula pela corrente sanguínea, antes de chegar aos tecidos do coração ou do estômago. Pode ser que um desses novos compostos consiga destruir não só as formas circulantes de Trypanosoma , mas também as que se alojam nos tecidos. O resultado seria a realização de um sonho: a cura da doença de Chagas.

 

Andrade e Silva sabe que o caminho é longo: há pelo menos mais cinco anos de trabalho até se chegar a um medicamento que possa ser adotado pelo sistema público de saúde. A pesquisa, que contou com financiamento do Programa de Apoio a Jovem Pesquisador da FAPESP, já rendeu um pedido de registro de patente da atividade antichagásica dos derivados da cubebina no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Despertou também o interesse do laboratório Teuto Brasileiro, que está interessado em participar nas próximas etapas da pesquisa, que inclui a síntese completa dos derivados mais ativos, o estudo de outros compostos e os testes de toxicidade e eficácia em seres humanos. Os pesquisadores pretendem obter e testar mais dez ou 15 derivados da cubebina, em um trabalho conjunto com o parasitologista Sérgio Albuquerque e o farmacêutico Jairo Knupp Bastos, ambos da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). Eles querem também produzir em laboratório os derivados da cubebina, a partir de moléculas orgânicas intermediárias, desta vez num trabalho conjunto com Paulo Marcos Donate e Rosângela Silva, também da USP. Outro desafio é produzir a molécula em larga escala, já que a extração da cubebina da pimenta não garante quantidades suficientes de derivados para levar adiante os testes em seres humanos.

Dos quatro derivados da cubebina já testados, dois ainda não haviam sido descritos quimicamente: um é o O-dimetiletilaminocubebina, que apresenta um radical amina, e o outro, a nitrohinoquinina, com um grupo nitro ligado ao anel aromático (estrutura fechada com seis átomos de carbono e seis hidrogênios) da cubebina, ambos obtidos a partir de modificações da molécula original. A cubebina, base para os dois novos compostos e para outro já conhecido, a hinoquinina, pode ser extraída tanto da semente seca da Piper cubeba quanto das folhas de um arbusto, a mamica-de-cadela ( Zanthoxylum naranjillo ), embora a pimenta tenha uma concentração dez vezes maior. A mamica tem espinhos em forma de mama de cadela, daí o nome popular da Zanthoxylum naranjillo, encontrada principalmente no Sul do Brasil e, com menor frequência, em SP. Até agora, o composto mais ativo foi outro já conhecido, o metilpluviatolido, encontrado nas folhas do arbusto e só agora testado contra a doença de Chagas. Os resultados obtidos indicam que os compostos extraídos da pimenta asiática, principalmente a hinoquinina e o metilpluviatolido, “não apresentaram um efeito tóxico significativo, o que não ocorre com o benzonidazol”, diz Andrade e Silva. Os manuais médicos previnem que tratamentos prolongados com essa substância causam alterações no funcionamento da medula óssea e problemas na pele.

Segundo Márcio, os camundongos infectados que receberam os derivados de cubebina permaneceram vivos por até três vezes mais tempo do que os animais infectados que receberam o benzonidazol. “Comparados com a cubebina, os quatro derivados apresentam pouca toxicidade, com uma dose letal bastante alta, acima de 2 gramas”, assegura o pesquisador. Mesmo com tratamento contínuo, a hinoquinina não danificou as células do fígado. E o metilpluviatolido, segundo ele, manteve o animal vivo por 60 dias a mais que o benzonidazol. Em 1988, pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP em Ribeirão Preto, orientados pelo químico Otto Richard Gottlieb, isolaram a substância das folhas da mamica-de-cadela. Quando viu que a mamica é eficiente, Silva passou a cultivá-la no sítio do sogro, em Ribeirão Corrente, perto de Franca. Jairo Knupp Bastos, que agora contribui com Andrade e Silva, fazia parte dessa equipe pioneira, que em seguida comprovou a baixa toxicidade e as atividades analgésica e anti inflamatória da cubebina. As equipes da Unifran e da USP verificaram agora que a hinoquinina, um dos derivados da cubebina, além da atividade antichagásica, apresenta uma ação analgésica e anti inflamatória próxima à da indometafina, um dos anti inflamatórios mais usados atualmente.

Os derivados da cubebina não têm efeitos colaterais: não são tóxicos nem atacam o estômago, o fígado ou os rins, diz Silva, baseado em experimentos com animais. Ele alerta: ‘Há pessoas que costumam dar ao chagásicos chás de mamica, na esperança de obter a cura, mas é certo que não existe ação positiva.’ Agora, os cientistas esperam obter recursos para começar os testes pré-clínicos e certificar oficialmente que não há toxicidade. ‘Cada ensaio em laboratório credenciado custa R$ 100 mil e dura oito meses’, avalia Silva. Depois, será a vez de seres humanos passarem pela experiência.

Mas os pesquisadores já sabem que estão no caminho certo: ‘Sabemos como a droga age contra o parasita e já conhecemos a rota sintética para sua obtenção. Hoje, fazer 100 gramas custa US$ 7 mil.’ Os testes clínicos determinarão a dosagem e a forma do remédio: pode ser um óleo, um pó ou uma cápsula que, nos genéricos, terá o nome de metilpluviatolido. Resta uma expectativa antes dos testes: descobrir se esse medicamento terá efeito curativo ou de tratamento eficaz. Para ser curativo, o princípio ativo tem de sair do sangue do paciente e ir para o tecido. ‘Mas tudo é questão de formulação farmacêutica’, explica. Ao mesmo tempo, a pesquisa indica que os derivados da cubebina podem agir contra a tuberculose e o vírus HIV. Os ensaios já começaram, confirma Silva.

O estímulo veio quando ele conseguiu, com o programa Jovem Pesquisador, da Fapesp, apoio para intensificar as pesquisas com a mamica. Até agora, a Unifran, que centraliza os estudos, investiu R$ 500 mil e a Fapesp, R$ 250 mil. A Unifran começou como escola de educação artística, há 30 anos. Em 1996 alcançou o status de universidade. Tem hoje 12 mil alunos, do maternal à pós-graduação, e mais de 30 cursos universitários de graduação. O fundador é Habib Salim Cury, professor-titular, aposentado, da Faculdade de Odontologia da USP de Ribeirão durante 40 anos. ‘Investi nesse projeto porque sou educador. Antes do negócio, prevalece a importância da educação e da pesquisa, que aprendi na USP.’

 

 

Fonte: acesso em março de 2003

Agradeço a Marcos Masini (assessoriadeimprensa@unifran.br) da Assessoria de Imprensa da ACEF S/A Mantenedora da Unifran, por ter enviado material para composição desta página e a foto do inventor Márcio Luis, em março de 2003

JC e-mail 2679, de 03 de Janeiro de 2005. Da planta, uma arma contra o ‘Trypanosoma’ Moacyr Castro escreve de Franca, SP, para ‘O Estado de SP’ http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=24450

acesso em março de 2005