Deficientes Físicos

Sistema para Chamar Ônibus

Ainda de forma tímida, um projeto genuinamente brasileiro começa a ser testado nas ruas de Belo Horizonte. É o DPS 2000, aparelho transmissor de sinais por ondas de rádio criado pelo vendedor mineiro aposentado Dácio Pedro Simões. Com aparência e peso de um pager, o dispositivo chama táxi ou ônibus para o ponto e emite um aviso sonoro quando o veículo estaciona. É uma alternativa para que os cegos possam usar o transporte público sem auxílio de um bom samaritano. Para o professor de história Zilmar Dias Figueiredo, presidente da União Auxiliadora do Cego de Minas Gerais, a invenção caiu do céu. “Pode não ser uma invenção tecnológica esplendorosa, mas para nós é um sonho que se tornou realidade”, explica. O aparelho começou a tomar forma há cinco anos, mas saiu do papel no ano passado. Para funcionar, um deles fica com o deficiente e o outro é instalado no ônibus ou no táxi. No teclado, em braile, o cego seleciona o meio de transporte e digita o número da linha ou o bairro do ônibus que quer. O aparelho envia um sinal para ser captado pelo receptor do veículo, que deve estar no máximo a 150 metros de distância. Quando ele se aproxima do ponto, o sistema emite um som para avisar o passageiro (se a linha escolhida é a de número três, o aparelho apitará três vezes seguidas).

Movida a bateria com duração de até seis horas, a geringonça tem memória para dez números e deve chegar ao mercado a partir de março por menos de R$ 50, segundo seu inventor, que planeja estender o serviço à frota de táxis da capital mineira. De oficial, já existe um projeto de lei para tornar obrigatória a instalação do receptor em todos os veículos de transporte coletivo de Minas Gerais.


Por mais de 20 anos, Dácio Pedro Simões atuou como representante comercial de produtos farmacêuticos. Percorria a capital mineira visitando consultórios médicos e drogarias para divulgar as novidades da indústria de medicamentos. Apesar de sentir uma grande necessidade de se manter informado e ser, por definição, um curioso, Dácio nunca havia pensado em se dedicar a outra atividade.

 

Numa tarde, há quase seis anos, a vida do então aposentado sofreu uma guinada. Num ponto de ônibus, Dácio foi abordado por um deficiente visual que lhe fez um pedido relativamente simples: quando se aproximasse tal linha de ônibus, Dácio sinalizasse para o motorista e lhe avisasse. Disposto a ajudar, Dácio aguardou a chegada da linha desejada lendo um livro ao lado de seu novo companheiro que, tempos em tempos, cutucava-lhe o braço. Depois de esperar por quase uma hora, perder duas conduções que lhe serviam, ser cutucado diversas vezes e assistir à formação de pesadas nuvens que anunciavam um temporal, Dácio se desculpou. Não podia esperar mais, tinha um compromisso inadiável. O deficiente agradeceu por avisá-lo que estava saindo. “É que muitas vezes, as pessoas vão embora e nos deixam aqui, acreditando que a ajuda está garantida.”

Debruçado sobre uma prancheta, Dácio bolou o primeiro projeto: um cartaz com letreiro em cristal líquido e um pequeno teclado em Braille. Com ele, o deficiente poderia digitar a linha de ônibus desejada e expô-la aos motoristas. Ideia no papel, Dácio procurou o Instituto São Rafael, escola pública especializada no ensino de deficientes visuais de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, que atende 380 estudantes. Queria ouvir a opinião de potenciais usuários. Lá conheceu Juarês Gomes Martins, professor da escola e presidente da Associação dos Amigos do Instituto, que lhe contou de experiência semelhante desenvolvida em Campinas. Mas os testes apontaram vários inconvenientes. “À noite, por exemplo, os motoristas não poderiam enxergar o deficiente no ponto. E ainda tínhamos de trabalhar com os obstáculos naturais como árvores, sinalizações de trânsito e mesmo outros usuários que impediriam a visão”, relembra Dácio.

De volta à prancheta, Dácio entendeu que teria de trabalhar com algo que rompesse barreiras. A resposta estava num companheiro inseparável: o rádio de pilhas. Mas para projetar um equipamento que utilizasse ondas de radiofrequência, o inventor autodidata precisaria de ajuda especializada, encontrada num amigo professor de eletrônica em cursos profissionalizantes do Senai. Mais de dois anos depois do incidente no ponto de ônibus, saía da cabeça do inventor para o papel o DPS 2000, composto por um par de pequenos rádios que emitem e recebem mensagens de ondas de radiofrequência. Acionado pelo deficiente por meio de um teclado de códigos em Braille, o equipamento emissor enviaria a mensagem para o receptor instalado em ônibus e táxis num raio de 200 metros. Alertados por um sinal sonoro ou luminoso, os motoristas atenderiam o chamado. Era o início do fim da dependência dos deficientes pela boa vontade alheia.

Faltava transformá-lo em realidade e para isso era preciso dinheiro. Avisado por amigos, Dácio soube da realização de um encontro de entidades públicas e privadas, entre elas o Sebrae em Minas Gerais, para definir projetos a serem incubados. Mesmo sem uma inscrição formal, Dácio conseguiu cinco minutos para expor sua ideia. “Falei o mais rápido possível porque tinha medo de que eles me mandassem sair. Mas, ao final da exposição, fui surpreendido por uma enxurrada de perguntas que estendeu a palestra por mais 40 minutos”, conta o já consagrado inventor. Da plateia, Dácio teve atenção especial do coordenador do Programa de Apoio Tecnológico do Sebrae em Minas, Ricardo Romeiro. “Ele me disse que o Sebrae estava disposto a me apoiar mesmo sem aprovação das outras entidades”, recorda.

Criado há 15 anos, o Programa de Assistência Tecnológica às Micro e Pequenas Empresas do Sebrae (PATME) subsidia, em parceria com o Ministério de Ciência e Tecnologia, projetos inovadores em todo o país. Minas é o estado com o maior volume de investimentos. No ano passado, 900 pequenas e médias empresas foram atendidas com recursos da ordem de R$1,5 milhão. Os projetos selecionados recebem 70% do custo total. O restante deve ser obtido por meio de parcerias ou bancados pelo próprio criador. No caso do DPS 2000, os 30% vieram da Fundação da Associação Comercial de Minas. “A ideia era muito boa e com grande alcance social”, relembra Romeiro. Projeto abraçado, o primeiro passo foi firmar uma parceria com o Inatel – Instituto Nacional de Tecnologia, em Santa Rita do Sapucaí, no sul de Minas, para desenvolver os protótipos.

Foram mais dois anos de idas e vindas à pequena cidade a 450km de Belo Horizonte, conhecida como o Vale da Eletrônica. Depois de testado e aprovado, o DPS 2000 recebeu, no ano passado, o prêmio de Inovação Tecnológica do Sebrae Minas na categoria inventor. A premiação abriu as portas da Companhia de Gerenciamento de Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans) e do Sindicato dos Donos de Empresas de Ônibus da Região Metropolitana (SETRA), que deram sinal verde para iniciar o desenvolvimento dos equipamentos, com algumas modificações. A aceitação foi tão positiva que a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) abraçou a ideia e se tornou sócia do inventor para, por meio do Departamento de Engenharia Eletrônica, fazer as adaptações necessárias e reduzir os custos. “Já conseguimos diminuir o preço final do DPS 2000 de R$200,00 para R$70,00. E a tecnologia ajudou tanto que vai ser possível dispensar o teclado e o deficiente vai poder acioná-lo pela voz”, comemora Romeiro.

De acordo com o professor Júlio César David de Melo, o convênio para desenvolvimento do DPS 2000 trouxe para a universidade a possibilidade de estudos de novas tecnologias que supram a exclusão de setores da sociedade. “Não podemos revelar detalhes do projeto porque ainda não foi feito o registro do depósito de patente, mas vamos iniciar os testes de campo ainda este mês”, revela Júlio César. Até o final do ano, o projeto entra na fase de comercialização. O agora amigo e companheiro de empreitada, professor Juarês, do Instituto São Rafael, comemora o sucesso da iniciativa. “É uma ideia maravilhosa que chega com um atraso enorme para nós, deficientes”, avalia. Segundo ele, existem no Brasil cerca de 800 mil pessoas portadoras de algum grau de deficiência visual, dependentes do transporte coletivo. Na Assembleia de Minas, a utilização do equipamento vai virar lei. O projeto do Deputado Ambrósio Pinto (PTB), aprovado em primeiro turno, prevê a instalação do DPS 2000 em ônibus urbanos de todo o Estado. “É competência comum à União e aos estados a proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiências físicas”, defende o parlamentar.

Vinte e dois receptores e 32 emissores já estão prontos e serão testados com a ajuda de alunos do Instituto São Rafael, instituição de ensino para pessoas com deficiência visual. O inventor vem, ao longo desses anos, mantendo contato com o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros e com a Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte para que os testes possam ser feitos sem restrições. “Somente quando os usuários estiverem utilizando o serviço é que vamos ter certeza de que ele está totalmente pronto”, afirma.

Dácio conta que a invenção chamou a atenção de diferentes instituições. Na Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, o deputado Fahim Sawan (PSDB) desarquivou projeto apresentado por um colega, na legislatura anterior, que obriga as empresas concessionárias de ônibus a instalar, em seus veículos, o aparelho. Na Comissão de Constituição e Justiça, o relator do projeto considerou-o inconstitucional, mas ele continuará a tramitar. A Associação Brasileira de Normas Técnicas também entrou em contato com o inventor, porque está definindo novas normas de acessibilidade e pretende ter o DPS 2000 como referência. As associações de defesa das pessoas com deficiência visual estão atentas. “Tenho sido convidado para falar da invenção em vários lugares”, conta Dácio. Inquieto, ele não se acomodou apenas com uma invenção. “Estou sempre em contato com essas associações. A gente vai-se inteirando dos problemas e fica louco para ajudar”, diz ele. Estão em desenvolvimento no projeto de extensão Paramec, do curso de Engenharia Mecânica da UFMG, uma bengala que sinaliza, com som, obstáculos à sua frente e um telefone público que se ajusta à altura das pessoas que utilizam cadeiras de rodas.

 

Fonte:

http://www.terra.com.br/istoe/1635/ciencia/1635_em_alto_bom_som.htm

acesso em fevereiro de 2002

http://200.252.248.103/sites/revistasebrae/04/umahistoriadevida.htm

http://www.registronacional.com.br/coopiib/imprensa.htm

acesso em dezembro de 2002

http://www.ufmg.br/diversa/10/acessibilidade.html

http://www.fahimsawan.com.br/m_fotos.asp?Codigo=15

acesso em agosto de 2007