Mecânica

Traquitana

Osni Bermudes começou sua carreira na comunicação como sonoplasta na antiga Rádio Marumby, da qual foi diretor durante 17 anos. Quando ia a São Paulo participar das jornadas esportivas, sempre procurava visitar os estúdios da TV Tupi, nos primeiros anos da televisão. Em 1960, com a implantação das “Associadas” no Paraná, foi contratado como assistente, mas logo passou a diretor de TV e assessor da direção artística. Osni Bermudes, editor de televisão em 1961, “inconformado com as limitações de sua área profissional”, decidiu encontrar um modo de inverter aquela situação. Havia necessidade de preencher os espaços vazios entre uma programação e outra, por não existirem recursos do videoteipe nem o “engarrafamento” dos comerciais. Tais espaços eram ocupados por slides sem qualquer comunicação em que figuravam as siglas da emissora, com entediantes fundos musicais. Ainda hoje, quando falta energia elétrica ou qualquer outra falha técnica, surge a sigla das emissoras e em seguida o pedido de desculpas.

Com estas inconformidades já naquela época, Osni Bermudes que desde os cineminhas em casa, com papel amanteigado e efeitos artístico-mecânicos, eram conhecidos por dúzias de garotos amigos e vizinhos, fez sua genialidade funcionar. Alguns dias, após as horas de folga, na oficina dos fundos de sua casa, levou aos estúdios do Canal 6 alguns discos que, em movimento pela força de um motor de toca-discos, mostrava o prefixo da emissora. Era nada menos que os prematuros efeitos especiais hoje criados pelos computadores. 

Batizadas estas inovações de traquitanas, por um incógnito camera-man, iniciava-se uma nova era na televisão. Osni justificou que “como não existisse no Brasil os aparelhos eletrônicos utilizados nos Estados Unidos, que produziam efeitos decorativos no vídeo, julguei que os desenhos em movimento iriam causar idênticos resultados”. E explicava:“Enquanto o fixo tinha a finalidade de criar espaços brancos na tela, o desenho móvel, acionado por um pequeno motor, e sobreposto ao primeiro, ambos focalizados por uma câmera, originava efeitos os mais variados, como raios girando em forma de círculos, linhas verticais, horizontais ou transversais, que se movimentavam através do vídeo, deixando espaços circulares, quadrados ou redondos no centro”.

Em 1962 as traquitanas passaram a fazer parte dos grandes musicais da TV Paraná, Canal 6, ainda na rua José Loureiro (Edifício Mauá), em Curitiba. Mais tarde, foram criadas as traquitanas com bonecos em movimento, acionados por complicadas engrenagens. Assim, nos fins-de-semana, Osni aproveitava mecanismos e alguns brinquedos estragados. A primeira dessas traquitanas com bonecos em movimento foi apresentada em alusão ao Carnaval de 1963. Dada a receptividade, foi organizado um calendário de datas a serem comemoradas, como: Dia do Professor, Dia do Lixeiro, Dia do Bombeiro, Dia do Trabalho, Dia do Fotógrafo, Dia do Músico, Dia do Médico, Dia dos Namorados, homenagem à Elis Regina, além das datas nacionais e Páscoa, Natal e Ano.

Em 1964, Osni assumiu a direção da TV Paranaense, Canal 12, a emissora de televisão mais antiga do Estado. Em concurso foi escolhido o Dozinho (diminutivo de doze), indo ao ar pela primeira vez no Dia dos Pais, em agosto de 1964, figura símbolo do Canal, que cantava, tocava piano e, como o Zequinha das balas famosas, exercia a profissão que era homenageada no dia. Cada data histórica ou acontecimento importante era motivo para Osni colocar seu boneco na tela. As traquitanas tinham evoluído e apresentavam movimentos próprios. Um dos profundos marcos de suas criações foi o quadro do Pato Donald que liberava lágrimas pela morte de seu criador Walt Disney, que na opinião de Osni “foi um dos mestres da comunicação universal”. Foi adaptado um boneco de metal, parecido com Donald, que no vídeo aparecia chorando, com fundo musical do conjunto “Os Farroupilhas” (e atrás do mini-cenário, um contra-regras pressionava uma bisnaga que fazia a água deslizar sobre o rosto do boneco …).

Osni Bermudes foi Diretor de TV nos canais 4, 6 e 12 de Curitiba, sendo um dos fundadores dos canais 4 e 6. Em 1972, no jornal Folha de Londrina, do dia 11 de janeiro, Luiz Geraldo Mazza escreveu: “Osni (…) é, sobretudo, um organizador. E com esse espírito é que costuma documentar-se: guarda trechos de filmes e vídeo teipes e depois os regrava, de maneira coerente e artística, construindo assim as janelas mais artísticas. Todas as introduções de programas locais e telejornais são boladas por ele. Um homem marchando sobre terras áridas, que podem ser a superfície da Lua ou a cratera de um vulcão; o processamento do aço numa siderurgia com o movimento dos mecanismos prensando a matéria-prima em fogo; aves e outros animais surpreendidos na intimidade do seu meio em movimentos curiosos; um homem só andando na chuva – com esses elementos de cinematografia, aliados a recursos de som e música, tira os melhores efeitos.

Mas foi na TV Iguaçu, Canal 4, inaugurada em 1967, que Osni viveu seus melhores momentos. A emissora nasceu moderna, planejada minuciosamente, com inovações, como os intervalos comerciais gravados previamente. Transmitiu o primeiro programa via satélite, ao vivo, unindo Curitiba e Porto Alegre. Produziu o “Show de Jornal”, o maior noticiário da televisão do Paraná e um dos melhores já feitos na televisão brasileira, com mais de 90% de audiência. Era elaborado por uma equipe de primeira linha, comandada por Osni na mesa do suíte, cortando imagens e orientando o pessoal. “Ele fazia enquadramento perfeito da imagem, cruzava duas câmaras e nunca errava”, relembra Jamur Júnior. Em 1970, quando começou a funcionar o link de microondas, os programas eram gerados em São Paulo e exibidos em Curitiba na mesma hora. No intervalo comercial, às vezes sobrava meio minuto e era preciso ocupar o espaço. Osni inventou então o clip “Enquanto você espera”. “Ele ilustrava a música com imagens que correspondiam à letra”, explica Jamur Júnior.

Osni Bermudes antecipou-se em muitos anos ao Padre Marcelo Rossi, que hoje atrai multidões com suas missas-espetáculo. Por iniciativa dele passou a ser rezada na TV Iguaçu a primeira missa televisada do Brasil, na década de 70. O celebrante era o frei capuchinho Pio Bochenko, tendo a cidade de Curitiba como pano de fundo. Nos momentos de folga, Osni foi montando em casa um Museu da Comunicação. Ali podem ser vistos aparelhos de rádio da década de 20 em perfeito estado de conservação, uma emissora de rádio dos anos 50, uma câmara do Canal 6 em preto e branco da década de 60, outra do Canal 4 em cores dos anos 80, ilhas de edição e, como não podia faltar, traquitanas. Osni Bermudes sempre exerceu sua atividade com muita competência e inventividade. Em 1989 foi homenageado pela Câmara Municipal de Curitiba com o título de “Vulto Emérito” por seu trabalho nos meios de comunicação da cidade. Nos últimos anos de profissão, foi convocado para montar e coordenar o sistema de TV em circuito fechado da Telepar, onde se aposentou em 1992. Osni faleceu aos 68 anos e deixou viúva Maria Helena, três filhos e um neto. 

A “traquitana” nem sempre é um mecanismo. No tempo em que atuava no Canal 6, Osni apanhava, surpreendia com a câmera um pássaro na intimidade da gaiola utilizando som direto; ou a delicadeza plástica de um peixe ornamental no aquário. Eram momentos de beleza romântica, intervalos líricos, em meio à penosa tarefa de consumir comerciais nem sempre feitos com bom gosto. (…). Sendo o Pai das Traquitanas, Bicho do Paraná e Vulto Emérito de Curitiba, cabe-lhe aqui mais um título: Osni Bermudes, o Modelista das Traquitanas.

Fonte: 
http://www.sindijorpr.org.br/extrapauta/edicao56/pag25.htm
 
http://www.geocities.com/artemodelismovirtual/osnibermudes.htm
 

acesso em janeiro de 2003
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